
A desinformação tornou-se uma das principais ameaças ao processo democrático brasileiro. Com o crescimento exponencial das redes sociais e o surgimento de ferramentas de inteligência artificial generativa, 81% dos brasileiros acreditam que fake news podem impactar significativamente os resultados eleitorais, segundo pesquisa do DataSenado realizada em 2024.
O fenômeno não é apenas técnico ou jurídico, mas uma ameaça estrutural à democracia. No sistema eleitoral brasileiro, divulgações incorretas sobre fatos políticos não podem ser desmentidas a tempo e acabam interferindo na escolha do eleitor. 72% dos brasileiros já se depararam com notícias falsas nas redes sociais nos últimos seis meses, demonstrando a magnitude do problema.
A velocidade de propagação das informações falsas, combinada com algoritmos que privilegiam o engajamento sobre a veracidade, criou um ambiente onde a mentira pode viajar mais rápido que a verdade. As notícias falsas navegam na insegurança do eleitor e, em matéria de política, eleitores frustrados acabam aliciados por conteúdos maliciosos.
Desde 2019, o Tribunal Superior Eleitoral vem construindo uma estratégia multifacetada de combate à desinformação. O marco inicial foi a criação do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação, que estabeleceu três pilares fundamentais: informar, capacitar e responder.
O Programa Permanente representa a continuidade e o aprimoramento dos esforços do TSE para mitigar os efeitos nocivos da desinformação relacionada à Justiça Eleitoral. A abordagem é deliberadamente não regulatória, apostando na cooperação com múltiplos atores: plataformas digitais, agências de checagem, universidades e organizações da sociedade civil.
Durante as eleições de 2022, essa estratégia foi testada em condições extremas. Com as experiências recentes, foi possível ao Poder Judiciário aprender e entender mais sobre as questões que envolvem a desinformação, declarou o ministro Alexandre de Moraes. O período revelou tanto os potenciais quanto as limitações das ferramentas disponíveis.
A grande inovação institucional veio em março de 2024, com a criação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE). O Centro funcionará na sede do Tribunal e reunirá esforços de diferentes instituições no combate à desinformação e às deepfakes utilizadas contra o processo eleitoral.
O CIEDDE funcionará na sede do Tribunal, em Brasília (DF), com a finalidade de unir esforços com o MPF, o CFOAB, o MJSP e a Anatel. O Centro opera 24 horas por dia, conectado em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais, permitindo uma resposta rápida e coordenada.
Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Centro, pela primeira vez, criou mecanismos próprios de identificação de redes de ódio e de rastreamento detalhado da distribuição de desinformação em larga escala, tratando as organizações que produzem e disseminam conteúdos falsos como redes criminosas.
Uma das inovações mais significativas é a mudança de abordagem. Com o uso de inteligência artificial e a articulação institucional com outros órgãos, o Centro inverteu a lógica de enfrentamento à desinformação, que consistia, até então, em esperar que a informação falsa se propagasse para depois tentar contê-la.
Para as eleições de 2024, o TSE introduziu regulamentações específicas sobre o uso de IA no contexto eleitoral. Se candidata ou candidato usar deepfake (conteúdo em áudio ou vídeo, digitalmente manipulado por IA), poderá ter o registro ou o mandato cassado.
As novas regulamentações incluem:
Vedações específicas: vedação a conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados que possam desequilibrar ou danificar a integridade do processo eleitoral.
Transparência obrigatória: Obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral, garantindo que os eleitores saibam quando estão consumindo conteúdo gerado artificialmente.
Restrição de robôs: restrição do emprego de robôs para intermediar contato com a eleitora e o eleitor (a campanha não pode simular diálogo com candidata, candidato ou qualquer outra pessoa).
A partir desta quarta-feira, 7, entra em funcionamento o serviço telefônico, no número 1491, pelo qual o cidadão poderá denunciar à Justiça Eleitoral tentativas de propagação de notícias falsas. A ligação é gratuita e democratiza o combate à desinformação.
A página Fato ou Boato, criada em 2020 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), integra o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação e tem a parceria de diversas agências de checagem de notícias, como Lupa, Estadão Verifica e Fato ou Fake.
Uma das medidas mais impactantes é a responsabilização direta das big techs. Provedores e plataformas serão considerados solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não removerem imediatamente conteúdos e contas durante o período eleitoral.
Responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, assim como falas antidemocráticas, racistas e homofóbicas.
O combate à desinformação enfrenta desafios crescentes. A emergência da inteligência artificial enquanto uma ferramenta mais popular e acessível também traz novos desafios, novos formatos e novas possibilidades criativas, exigindo um outro tipo de abordagem para esse problema.
A sofisticação das técnicas de desinformação cresceu exponencialmente. Utilizando desde robôs, que são perfis falsos alimentados por algoritmos, até ciborgues, que são perfis usados por robôs e humanos, e militantes que conectam campanhas eleitorais alimentadas por robôs, até ativistas em séries para disseminar desinformação e influenciar comportamentos.
Tem diferenças muito gritantes nas posições das plataformas, por exemplo, em 2022, nos Estados Unidos, que naquela época estavam tendo eleições regionais, a Meta, proibiu anúncios online no período anterior ao dia do pleito, enquanto no Brasil isso foi proibido pela Justiça Eleitoral, mas não estava sendo cumprido pelas plataformas.
As eleições presidenciais de 2022 testaram todas as ferramentas desenvolvidas. Apesar dos desafios significativos, o processo eleitoral transcorreu sem os tumultos massivos que muitos temiam. O que veio a seguir foram eleições seguras, transparentes e com respeito à soberania popular.
Aqui no Brasil vivemos isso na pele. Os atos do 8 de janeiro ocorreram por meio das redes sociais, a partir de algo organizado, fundado em uma série de mensagens mentirosas, com alegações inexistentes e absurdas de fraude às urnas nas eleições, explicou Alexandre de Moraes.
Para as eleições municipais de 2024, o TSE expandiu ainda mais suas ferramentas. A dois meses das eleições para prefeitos e vereadores nos 5.568 municípios brasileiros, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou medidas para combater notícias falsas durante a campanha.
O TSE também lançou uma campanha informativa em parceria com a Associação Nacional dos Editores de Revistas para evitar a disseminação de mentiras durante o pleito. Com o slogan “Jornalismo é confiável”, a campanha trará anúncios informativos para esclarecer o eleitor.
A atuação rigorosa da Justiça Eleitoral gerou debates intensos sobre os limites entre proteção democrática e liberdade de expressão. Notícias fraudulentas são a praga do século 21, declarou Alexandre de Moraes, justificando medidas enérgicas.
Críticos argumentam que algumas decisões podem ter extrapolado os limites constitucionais, enquanto defensores sustentam que medidas excepcionais foram necessárias para proteger a democracia em momento de crise institucional. Em votações muitas vezes com o placar de 4 a 3, o colegiado fixou algumas teses sobre as fake news, por exemplo, de vetar propaganda que impute crime e escândalo de corrupção a candidatos.
O modelo desenvolvido pelo TSE está sendo reconhecido como referência internacional. Embora a iniciativa pareça bastante pontual e circunscrita às eleições, ela abre uma seara promissora de disseminação de uma sistemática de combate às informações falsas, aponta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Além das medidas punitivas e preventivas, a Justiça Eleitoral tem investido crescentemente em educação digital. O Centro ainda terá papel importante na promoção da educação em cidadania, nos valores democráticos e nos direitos digitais.
A estratégia reconhece que o combate sustentável à desinformação requer uma população mais preparada para navegar criticamente no ambiente digital. Isso inclui a realização de cursos, seminários e estudos para a promoção de educação em cidadania, democracia e combate à desinformação.
O sistema desenvolvido demonstra que é possível construir defesas eficazes contra a desinformação sem abandonar os princípios democráticos fundamentais. No entanto, essa construção requer vigilância constante, adaptação contínua e um equilíbrio delicado entre diferentes valores constitucionais.
As ameaças à integridade eleitoral evoluem rapidamente, exigindo que as instituições democráticas mantenham capacidade de resposta ágil. O sucesso a longo prazo dependerá da capacidade de manter esse sistema adaptável às novas ameaças, sem comprometer os valores democráticos fundamentais.
Apesar dos avanços institucionais, o marco regulatório ainda enfrenta resistências. A votação do projeto de lei complementar (PLP) que cria o novo Código Eleitoral, prevista para esta quarta-feira (11) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, foi bloqueada por resistência de senadores da oposição contra trechos que combatem notícias fraudulentas.
O PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, continua em tramitação no Congresso Nacional, enfrentando forte resistência de diversos setores. Há um movimento muito reativo às propostas de regulação. Vimos no Brasil, sobretudo em relação ao PL 2630, chamado de PL das Fake News, uma relação muito agressiva das plataformas digitais.
O sucesso das medidas depende fundamentalmente da cooperação entre diferentes atores. O TSE mantém acordos de cooperação com mais de 150 entidades, incluindo universidades, organizações da sociedade civil, agências de checagem e plataformas digitais. Essa rede permite uma resposta mais rápida e eficaz aos diferentes tipos de desinformação.
Temos o objetivo ter uma grande gama de parceiros para combater os efeitos negativos provocados pela desinformação. As parcerias incluem desde agências reguladoras como a Anatel até organizações acadêmicas e entidades de classe.
O combate às fake news pela Justiça Eleitoral brasileira representa um dos esforços mais abrangentes e sofisticados já implementados por uma democracia. As ferramentas desenvolvidas – desde o CIEDDE até as regulamentações sobre inteligência artificial – estabeleceram um novo padrão internacional para a proteção da integridade eleitoral.
A experiência brasileira mostra que a defesa da democracia no século XXI requer não apenas leis e instituições, mas também uma compreensão sofisticada das dinâmicas digitais e uma cooperação sem precedentes entre diferentes setores da sociedade. O combate às fake news não é apenas uma questão técnica ou jurídica, mas um imperativo democrático que define o futuro da participação política no Brasil.
Contudo, o sucesso a longo prazo dependerá da capacidade de manter esse sistema adaptável às novas ameaças, sem comprometer os valores democráticos fundamentais. O equilíbrio entre proteção da democracia e preservação das liberdades individuais continuará sendo o grande desafio das instituições brasileiras na era digital.
Advogado, especialista em Redes de Computadores, Segurança da Informação e Proteção de Dados. Pesquisador de novas tecnologias e amante do estudo da evolução da sociedade com as novas demandas tecnológicas.
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